Está provado que eu não posso andar de autocarro sem que aconteça uma peixeirada qualquer! A sério que não faço de propósito, mas parece que os escolho a dedo.
Eu: Xiii! Vem à pinha!
Não vinha, mas eu gosto sempre de dar um tom fatalista às situações. Arranjámos dois lugares de costas separados, ao que eu saquei do meu livro e há que cultivar a mente mesmo em andamento. Pouco antes de Massarelos, começou o teatro para o qual nem paguei a entrada:
Voz de mulher, sotaque-Ribeira: Sua ordinária! Sua vaca!
Voz de outra mulher, sotaque- Terra do Cagufe: Mas tenha lá calma que eu só…
Mulher Ribeira: És uma ordinária! Não te atrevas a olhar pós miúdos!
A troca de ideias continuava e como todos os outros passageiros eu achei por bem inteirar-me da situação. Olhei para trás e à beira do condutor (que já se sabe é onde se passa tudo) vi uma mulher nova de cabelo escuro com madeixas loiras preso num rabo-de-cavalo. Barafustava com alguém sentado no banco. Dois putos choravam como se não houvesse amanhã e a tripulação do 500 olhava para cena sem perceber muito bem qual era o stress. Não sei bem quanto tempo gastaram a trocar insultos, todos de nível altíssimo e grande qualidade, subentenda-se, mas não deve ter chegado a um minuto sequer. Como é típico, a coisa partiu para a porrada. Mas porrada da boa! Upa upa! Cabelos desgrenhados, arranhões, estaladões, outras coisas acabadas em ões e não sei se algumas dentadas. Luta de mulheres mesmo, da tradicional, que estávamos na zona histórica do Porto, agora quase a chegar a Mira-Gaia.
Aqui guardei o livro, não fosse ter de me defender também, enquanto as pessoas começaram a gritar: “Oh Sr. Motorista! Pare o autocarro! PARE O AUTOCARRO!” A coisa estava mesmo feia lá atrás, aliás, mesmo nas costas dele, mas o autocarro prosseguiu a marcha sem grandes mudanças de velocidade. Calculei que para o condutor, que faz aquele percurso, quiçá todos os dias, aquilo não eram apenas os ossos do ofício mas também o pão-nosso de cada dia. Não parou, não se importou, nem quis saber! Aqui, os passageiros revoltaram-se: “Ele tem de parar, mas que incompetente! Nestes casos ele tem de parar!” Fiquei mais sossegada, ao menos há sempre alguém que sabe o código deontológico dos condutores de transportes colectivos. Até que perceberam que o problema estava mesmo nas três mulheres à pancada (sim, que pelos vistos a Dona Maria Da Ribeira, tinha uma amiga que também vê a Buffy). E estiveram nisto até que alguém com tomates as separou. Que fique bem claro que eu nunca seria capaz de me meter entre elas! Sou muito mariquinhas para isso. Mas a Dona Antonieta Do Desculpe Lá teve de procurar abrigo na parte de trás do veículo, ora, onde eu estava, obviamente! Temi pela minha vida. Imaginei logo que a Dona Maria Da Ribeira ia galgar toda a gente para continuar o que ainda não parecia acabado, já que a Dona Antonieta Do Desculpe Lá só tinha o lábio aberto, um penteado radical, múltiplos arranhões nos antebraços e uns quantos pontos vermelhos que suponho que hoje estão bem negros. Mas não. A coisa desenvolveu-se em insultos sofisticados. Aprendi uns poucos palavrões jeitosos… Entretanto as crianças pararam de chorar e eu tentei formular uma hipótese que explicasse aquele descalabro. Parti do princípio que uma delas se queria sentar e estava uma criança a ocupar um lugar. (Que agora o autocarro já estava, efectivamente, à pinha) Daí comentários indirectos para que o pequerrucho cedesse o lugar aos mais velhos. Quem costuma andar de autocarro sabe que isto é mais que frequente. Depois calculei que a mãe da criancinha não tivesse achado piada à coisa. Mas… não foi nada disto que aconteceu. A Dona Antonieta Do Desculpe Lá estava agora a explicar a situação com lágrimas nos olhos e os nervos num frenesim de dia de S.João:
Dona Antonieta Do Desculpe Lá: Mas olhem quisto… Eu vou fazer queixa na polícia! Eu só pedi para os miúdos berrarem baixo… E a gaja passou-se! Mas olhem para isto… eu ‘tou a sangrar?
Dona Alzira do Ai Ao Que A Gente Está Sujeito: Está! Um bocadinho. Tem o lábio aberto. E olhe ‘tá arranhada…aqui.
Dona Antonieta Do Desculpe Lá: Pois! Olhem para isto! E eu só pedi para os miúdos berrarem baixo… e num segundo já tinha a gaja a bater-me! E depois já eram duas! – Pega no telemóvel – Eu vou ligar à polícia!Dona Alzira do Ai Ao Que A Gente Está Sujeito: Ligue, Ligue! Não saia do autocarro antes deles chegarem.
Dona Alzira do Ai Ao Que A Gente Está Sujeito: Não limpe nada! Não limpe o sangue que isso depois são provas.
É ponto assente que TODA a gente tem uma opinião sobre tudo. Agora o espantoso é que até nesta situação as opiniões se dividiram. Algures uma passageira praguejava que é impressionante aquilo a que estamos sujeitos, mesmo quando temos razão embora outra defendesse que se devia chamar a polícia e que o autocarro não devia arrancar enquanto esta não chegasse. Ao meu lado duas senhoras debatiam alegremente o sucedido:
D. Montanha: Ela só estava a proteger o que é dela. Também se mandassem calar os meus filhos onde é que ela já estava. Já tinha voado pela janela!
D. Até os Professores Apanham: Se nem os professores as controlam! Elas até nos professores batem!
D. Montanha: Fosse com os meus filhos…
Eu sorri. Um sorriso amarelo de quem não se quer meter mas deve ser isso, deve. O mundo está perdido era o que ocupava o meu cérebro naquela altura, mas se não os podes vencer, junta-te a eles.
Abri novamente o meu livrinho e ignorei os comentários das senhoras ao meu lado sobre as riquezas que eram os netos delas; os comentários de que estava tudo filmado e que o que é preciso é denunciarem estes casos; a senhora que limpava as lágrimas e acalmava os nervos; e os risos da jovem mãe que com sotaque Ribeirense (não façam confusão com as piadas Ribeirinhas) dizia ao filho que iam lanchar na esquadra enquanto intercalava com um “se quiseres vou contigo à esquadra, minha ordinária! E ainda comes por cima!”.
Como era previsível, a carreira chegou ao fim (Aliados) e polícia nem vê-la. Eu compreendo, agora para além da Maria, têm o Destak, o Metro, e ainda por cima tinha saído a Dica. È muito para ler de uma só vez! Não sei se a senhora apanhou porrada da boa ou não mas que lhe fizeram uma esperinha fizeram.
Agora… quanto a vocês não sei… mas a minha parte favorita é a das cabras da montanha!