Éramos caloiros.
Passámos o portão da escola a medo e ansiosos, como se a vida começasse naquele dia.
Passámos o portão da escola a medo e ansiosos, como se a vida começasse naquele dia.
Capas negras esperavam-nos no jardim, cuja relva hoje conhecemos bem.
Ensinaram-nos saudações, regras, brincadeiras e posições estranhíssimas que não faziam sentido nenhum.
Era a praxe.
Em duas semanas aprendemos que as músicas também se podem cantar aos berros, mesmo quando estamos rodeados por dois hospitais.
A primeira aula.
O professor desenha um belo dum boneco no quadro e acende um cigarro enquanto nos explica o que significa proximal, distal e medial.
Marca uma dissertação, sobre as relações sexuais entre enfermeiras e médicos nos hospitais, para trabalho de casa.
Há quem continue a tirar apontamentos.
O Peter (que na altura inda era só Tiago) vai para a rua porque pediu ao professor para apagar o cigarro, já que estava prestes a ter um ataque de asma.
No segundo seguinte estamos de quatro em cima das mesas do polivalente (naquela altura ainda não tinha o estatuto de auditório nem cadeiras de sala de cinema).
Foi a nossa aula fantasma.
6h59.
Olhos meio abertos e o coração a bater com o desespero de quem sabe que ainda falta muito para as 9h.
Nunca mais é a hora das massagens...
Deve ser quinta-feira.
Olhamos para o IPO e continuamos à espera que um doente nos presenteie com um desenho catita colado à janela, afinal de contas cantamos para eles todas as semanas. Depois olhamos para o chão.
Conhecemos bem os ladrilhos das imediações. As nossas testas também.
A nossa turma.
Não gostámos todos uns dos outros naquele início.
Pessoal de Paços, Resende, Felgueiras, Póvoa, Famalicão, Maia, Gondomar, VNGaia, Porto e até uma miúda da Madeira que falava uma língua que ninguém entendia.
O ensino superior tem as suas manhas e manias.
E tem professores, alguns que mais valia Nosso Senhor levar...
Ensinaram-nos que cruzar as pernas é um acto de masturbação e que de vez em quando devemos parar para ouvir os passarinhos lá fora.
O que vale é que os estudantes so processam 50% da informação que lhes é transmitida...
Fomos às teóricas de que o povo tanto fala!
Não fomos é muitas vezes que as mesas são duras e mais vale dormir em casa.
Também fomos às práticas.
Aprender a dobrar lençois e a fazer camas. Parecendo que não, facilita.
Criámos laços da mais pura amizade com a D. Teresa e a D.Conceição, ocupantes assíduas das camas das enfermarias, e demos banho a bebés... de plástico.
Depois veio a primeira ronda de exames.
Estudámos que nos matámos. Foi para aprender a lição.
No ensino superior é uma questão de sorte, claro que convém estudar mas o esforço que pomos no estudo não vai ser reflectido na nossa nota.
Para o final do ano já éramos meninos para estudar de véspera como manda o código.
A seguir descobrimos os trabalhos de grupo.
Mas a sério, que no secundário é só a brincar (nós é que não sabemos).
E descobrimos que depois de entregar o trabalho temos de olhar para os profes e explicar porque é que só colocámos 53 vírgulas e não 54.
Não é facil, não.
Enquanto isto, a praxe continuou. Alegre e sem razão de ser.
Ensinaram-nos a contar: 4, 5, 21...
Também nos mostraram que a aspirina provoca dores, não as tira.
Descobrimos que ovos, maionese, farinha e outros ingredientes culinários combinados nunca dão bom resultado, muito menos quando esmagados nas nossas cabeças.
Leilões a feijões também é outra coisa que não dá bons frutos.
Mas os trajes vestiram-se, as capas traçaram-se, as nabiças foram impostas... até que numa noite, durante o golo do FCP, deixámos de ser caloiros.
Parece que foi ontem.
Não. Passaram anos.
Fomos aplaudindo Tunas, apadrinhando afilhados, vivendo queimas e jantares.
Trabalhámos até acharmos que não podíamos mais... e depois mais um bocadinho.
Ensinaram-nos saudações, regras, brincadeiras e posições estranhíssimas que não faziam sentido nenhum.
Era a praxe.
Em duas semanas aprendemos que as músicas também se podem cantar aos berros, mesmo quando estamos rodeados por dois hospitais.
A primeira aula.
O professor desenha um belo dum boneco no quadro e acende um cigarro enquanto nos explica o que significa proximal, distal e medial.
Marca uma dissertação, sobre as relações sexuais entre enfermeiras e médicos nos hospitais, para trabalho de casa.
Há quem continue a tirar apontamentos.
O Peter (que na altura inda era só Tiago) vai para a rua porque pediu ao professor para apagar o cigarro, já que estava prestes a ter um ataque de asma.
No segundo seguinte estamos de quatro em cima das mesas do polivalente (naquela altura ainda não tinha o estatuto de auditório nem cadeiras de sala de cinema).
Foi a nossa aula fantasma.
6h59.
Olhos meio abertos e o coração a bater com o desespero de quem sabe que ainda falta muito para as 9h.
Nunca mais é a hora das massagens...
Deve ser quinta-feira.
Olhamos para o IPO e continuamos à espera que um doente nos presenteie com um desenho catita colado à janela, afinal de contas cantamos para eles todas as semanas. Depois olhamos para o chão.
Conhecemos bem os ladrilhos das imediações. As nossas testas também.
A nossa turma.
Não gostámos todos uns dos outros naquele início.
Pessoal de Paços, Resende, Felgueiras, Póvoa, Famalicão, Maia, Gondomar, VNGaia, Porto e até uma miúda da Madeira que falava uma língua que ninguém entendia.
O ensino superior tem as suas manhas e manias.
E tem professores, alguns que mais valia Nosso Senhor levar...
Ensinaram-nos que cruzar as pernas é um acto de masturbação e que de vez em quando devemos parar para ouvir os passarinhos lá fora.
O que vale é que os estudantes so processam 50% da informação que lhes é transmitida...
Fomos às teóricas de que o povo tanto fala!
Não fomos é muitas vezes que as mesas são duras e mais vale dormir em casa.
Também fomos às práticas.
Aprender a dobrar lençois e a fazer camas. Parecendo que não, facilita.
Criámos laços da mais pura amizade com a D. Teresa e a D.Conceição, ocupantes assíduas das camas das enfermarias, e demos banho a bebés... de plástico.
Depois veio a primeira ronda de exames.
Estudámos que nos matámos. Foi para aprender a lição.
No ensino superior é uma questão de sorte, claro que convém estudar mas o esforço que pomos no estudo não vai ser reflectido na nossa nota.
Para o final do ano já éramos meninos para estudar de véspera como manda o código.
A seguir descobrimos os trabalhos de grupo.
Mas a sério, que no secundário é só a brincar (nós é que não sabemos).
E descobrimos que depois de entregar o trabalho temos de olhar para os profes e explicar porque é que só colocámos 53 vírgulas e não 54.
Não é facil, não.
Enquanto isto, a praxe continuou. Alegre e sem razão de ser.
Ensinaram-nos a contar: 4, 5, 21...
Também nos mostraram que a aspirina provoca dores, não as tira.
Descobrimos que ovos, maionese, farinha e outros ingredientes culinários combinados nunca dão bom resultado, muito menos quando esmagados nas nossas cabeças.
Leilões a feijões também é outra coisa que não dá bons frutos.
Mas os trajes vestiram-se, as capas traçaram-se, as nabiças foram impostas... até que numa noite, durante o golo do FCP, deixámos de ser caloiros.
Parece que foi ontem.
Não. Passaram anos.
Fomos aplaudindo Tunas, apadrinhando afilhados, vivendo queimas e jantares.
Trabalhámos até acharmos que não podíamos mais... e depois mais um bocadinho.
Ritinhas.
Práticas, práticas, práticas, práticas, práticas, práticas...
Estágio. Foi entrar num avião para cair de pára-quedas no mundo real.
Eu encurtei a queda-livre para tentar outros voos.
Elas e ele chegaram ao solo, levantaram-se e decidiram explorar as redondezas com tudo o que tinham. E acreditem, era muito. Continua a ser.
Hoje as nossas vidas seguem rumos diferentes. Elas e ele salvam o mundo, um doente de cada vez. (Ou cinco em cada turno, depende do hospital.)
Eu escrevo para que o mundo saiba o que eles fazem todos os dias.
Parabéns finalistas! Foi um prazer ter feito parte da vossa viagem
Práticas, práticas, práticas, práticas, práticas, práticas...
Estágio. Foi entrar num avião para cair de pára-quedas no mundo real.
Eu encurtei a queda-livre para tentar outros voos.
Elas e ele chegaram ao solo, levantaram-se e decidiram explorar as redondezas com tudo o que tinham. E acreditem, era muito. Continua a ser.
Hoje as nossas vidas seguem rumos diferentes. Elas e ele salvam o mundo, um doente de cada vez. (Ou cinco em cada turno, depende do hospital.)
Eu escrevo para que o mundo saiba o que eles fazem todos os dias.
Parabéns finalistas! Foi um prazer ter feito parte da vossa viagem
Post dedicado a:
Ana Ni
Bete
Bruno
Cize
Claudinha
Ervilhinha
Li
Márcia
Mónica
Paulila,
os meus Porquinhos.
E às Sodona Liliana e Rafaelíssima que, embora não tenham feito a viagem desde o início comigo, vão estar sempre no meu ventrículo esquerdo, aquele que bombeia com mais força.